Gravidez e psicanálise
- Margarida Viñas
- Jul 29
- 2 min read

A gravidez é frequentemente envolta em imagens idealizadas: plenitude, alegria, realização. No entanto, muitas mulheres vivem esse período com sentimentos ambivalentes, silenciosamente. Há medo, confusão, cansaço, angústia, culpa por não se sentir “feliz o suficiente”. Na clínica, é comum que a gestação venha acompanhada de sintomas psíquicos intensos e a psicanálise se propõe justamente a escutar esse tempo de profunda transformação.
Mais do que uma condição física, a gravidez mobiliza o inconsciente. O corpo que muda e se expande toca aspectos arcaicos da subjetividade: o modo como a mulher viveu sua própria infância, sua relação com a mãe, com a feminilidade, com o cuidado, com a perda. Nenhuma gravidez é neutra. Ela ativa fantasias inconscientes que variam de mulher para mulher.
Freud já apontava que a maternidade reatualiza conteúdos infantis. Lacan, por sua vez, indicava que a mulher, ao engravidar, se vê interpelada por um lugar simbólico: o da mãe. E esse lugar nunca é simples. A “mãe” não é apenas uma função biológica, mas uma posição complexa na estrutura do desejo. Ser mãe pode significar muitas coisas: tornar-se aquilo que se idealizou, que se temeu ou mesmo que se recusou.
Algumas mulheres sentem-se estranhas em seu próprio corpo. Outras entram em um estado de fusão com o bebê que ainda não nasceu. Há quem experimente um amor absoluto, uma sensação de invasão, ou mesmo de vazio. Quando há espaço para falar, surgem questões fundamentais: Serei capaz? Quem é esse filho para mim? Quem sou eu agora?
A gravidez também pode reabrir feridas psíquicas: perdas anteriores, vínculos familiares mal resolvidos, histórias de abuso, experiências traumáticas. Em muitos casos, sintomas como insônia, ansiedade, crises de choro ou retraimento não se explicam apenas pelos hormônios — são sinais de um mal-estar mais profundo, que merece cuidado.
A psicanálise não propõe um ideal de mãe, nem busca normalizar as vivências. Ao contrário: ela permite que cada mulher possa construir a sua relação singular com a maternidade, confrontando seus medos, reconhecendo seus limites, elaborando suas fantasias. Esse trabalho de elaboração pode ser decisivo para que a mulher não se apague como sujeito durante a gestação, nem depois do nascimento do bebê.
Gestar um filho é também, de algum modo, gestar a si mesma de novo — em outra posição, em outro lugar. Nem sempre essa travessia é suave. Mas, quando há palavra, esse processo pode se tornar menos solitário — e mais verdadeiro.
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