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Ciúmes

Updated: Jul 9


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O ciúmes é uma dessas experiências que todos conhecem — ainda que poucos assumam. Ele pode ser discreto, como um incômodo que atravessa o olhar, ou devastador, como uma onda que toma o corpo e a razão. Pode surgir num gesto, numa ausência, numa palavra vaga. E, quando se instala, raramente se contenta com o real: ele imagina, supõe, completa lacunas com angústia.

A cultura muitas vezes romantiza o ciúmes — como se fosse prova de amor, sinal de cuidado ou expressão de interesse. Mas quem já o sentiu de forma intensa sabe: ele fala menos sobre o outro, e muito mais sobre o que nos falta. O ciúmes é, antes de tudo, uma ferida narcísica. Uma dor que toca o lugar onde a autoestima se fragiliza, onde a segurança se desmancha, onde o desejo do outro parece escapar por entre os dedos.

Na psicanálise, o ciúmes não é simplesmente um excesso de afeto, mas uma formação do inconsciente que revela muito sobre a estrutura de quem sente. Muitas vezes, ele expressa uma fantasia de exclusividade absoluta — uma demanda impossível de ser satisfeita, pois o outro é, sempre, irremediavelmente outro: com seus desejos, seus mistérios, suas faltas. É essa alteridade que o ciumento tenta controlar, como se vigiar o outro fosse garantir sua presença.

Mas o ciúmes pode esconder algo ainda mais profundo: a dificuldade de lidar com a própria falta. A dor de não ser “tudo” para o outro, o medo de ser trocado, esquecido, rejeitado — ou, talvez, a angústia de nunca ter se sentido desejado o suficiente. Em muitos casos, o ciúmes aponta para um vazio anterior ao vínculo atual. Ele remonta a experiências precoces de abandono, de rivalidade, de insegurança afetiva.

Na análise, esse sentimento pode ganhar outro destino. Ao invés de se transformar em vigilância, controle ou sofrimento repetido, ele pode ser escutado. Que história esse ciúmes repete? Que perdas ele tenta evitar? Que imagem de si ele tenta proteger?

Não se trata de eliminar o ciúmes, mas de deslocá-lo do lugar de ameaça para o de pergunta. Porque, ao escutá-lo sem julgamento, o sujeito pode descobrir que o que teme perder talvez nunca tenha sido do outro — mas de si mesmo.

E nesse caminho, pouco a pouco, é possível transformar a dor de não ser tudo… na liberdade de ser alguém.

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