Frigidez
- Margarida Viñas
- Jul 9
- 3 min read

Em muitos momentos da história, a frigidez foi usada como rótulo para mulheres que não correspondiam às expectativas sexuais dos homens. Queriam ofender uma mulher e chamavam-na de frígida! Reduzida a uma disfunção ou a uma recusa, a frigidez foi tratada como se fosse um problema do corpo ou de “frieza” emocional. Mas podemos escutar a frigidez de outra forma: não como ausência de desejo, mas como um sintoma que fala de um desejo em conflito, a recusa de uma entrega.
Na experiência clínica, a queixa da falta de desejo ou a incapacidade de gozar pode se apresentar de muitos modos. Há mulheres que nunca sentiram prazer sexual, outras que já sentiram e não conseguem mais, outras que até se excitam, mas não conseguem se entregar. Algumas relatam dor física durante a relação, outras descrevem um afastamento emocional que parece intransponível. Há também as que apresentam constantes infecções urinárias, clamídia, entre outras manifestações de um certo protesto do corpo. Em todos os casos, não se trata apenas de um problema anatômico, orgânico ou hormonal, mas de algo que se revela da história psíquica do sujeito.
O desejo, na psicanálise, não é algo que se controla voluntariamente. Ele está atravessado por marcas inconscientes, por vivências infantis, por traumas, identificações, imagens e fantasias que nos habitam. Permitir-se desfrutar de uma vida sexual plena também passa por tudo isso. Muitas mulheres que se queixam de frigidez viveram, sem se dar conta, situações de invasão psíquica, de relações desiguais, ou de exigências para ocupar um papel — de objeto de prazer, de boa parceira, de mulher “normal” — que não puderam ou não quiseram encarnar. Nesse contexto, a resposta do corpo pode ser uma negação silenciosa: ele se fecha, recusa, não reage.
Freud já abordava a questão do prazer feminino como uma construção complexa. Ele notou que, para muitas mulheres, a transição do prazer clitoridiano para o vaginal — esperada pela cultura da época — não se dava de forma natural. Lacan, mais tarde, mostrou que o gozo feminino não se deixa inscrever completamente nas normas fálicas. Isso significa que o prazer da mulher não se reduz a uma função orgânica, mas envolve o modo como ela se relaciona com o seu próprio corpo, com o olhar do outro, com o desejo de ser desejada — ou não.
A frigidez, nesse sentido, pode ser um ato inconsciente de recusa: recusa a um tipo de relação, a um ideal de feminilidade, a uma cena sexual que não contempla o desejo da mulher. Pode dizer respeito ao modo como a mulher pensa a própria feminilidade. Ainda, a frigidez pode ser um efeito da culpa, da repressão ou do medo: medo de se entregar, de perder o controle, de entrar em contato com afetos que foram silenciados. Não raro, ao trabalhar esses impasses em análise, o sintoma começa a se transformar, pela reapropriação subjetiva do próprio desejo.
Escutar a frigidez, fora dos modelos prontos, é abrir espaço para que cada mulher possa se perguntar: o que desejo? o que me impede? o que, para mim, significa ser mulher?
A psicanálise não promete devolver o desejo como um produto a ser entregue, mas permite que o sujeito construa, em sua própria história, um modo de desejar que lhe seja possível e verdadeiro.
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