Traição
- Margarida Viñas
- Jun 19
- 2 min read
Updated: Jul 9

Poucas palavras despertam tanto afeto, raiva, medo e dor quanto traição. Ela não é apenas o rompimento de um contrato explícito — é, muitas vezes, o abalo de um pacto silencioso, construído no terreno do afeto, da confiança e do desejo. A traição corta, confunde, desorganiza. E é justamente por isso que ela mobiliza tanto: porque onde havia segurança, instala-se a dúvida; onde havia entrega, surge o ressentimento; onde havia ilusão de completude, resta o vazio.
Mas o que é, afinal, ser traído? E o que leva alguém a trair?
Na escuta psicanalítica, a traição não é apenas um ato concreto — é também um sintoma, um acontecimento que revela algo da verdade do sujeito e da estrutura da relação. Muitas vezes, quem trai está tentando sair de uma posição onde já não se reconhece. Outras vezes, age movido por um desejo que não coube no pacto do casal, ou por uma fantasia de liberdade que se opõe à idealização do amor romântico.
Para quem é traído, a dor não está apenas no que o outro fez — mas no que isso toca de mais íntimo em si. A traição fere o narcisismo, coloca em xeque a imagem que se tinha de si mesmo, do outro e do laço. O pensamento se enche de perguntas: "Onde foi que eu errei?", "Ele ou ela já não me deseja?", "Será que fui ingênuo demais?" — mas essas perguntas, muitas vezes, não encontram resposta no campo da realidade. Porque a ferida que se abre não é só do presente: ela reativa marcas, lutos antigos, inseguranças e histórias anteriores ao próprio casal.
A análise não oferece respostas prontas para lidar com a traição. Mas propõe uma travessia: escutar o que esse acontecimento mobiliza no sujeito, o que ele repete de padrões anteriores, o que revela sobre seu modo de amar e de se deixar amar. Para alguns, a traição será um ponto final; para outros, um recomeço. Mas em todos os casos, ela pode ser um ponto de inflexão — uma chance de se interrogar, de ressignificar, de sair do lugar de vítima ou de culpa para um lugar de maior autoria sobre a própria vida afetiva.
Porque, às vezes, o que dói não é apenas o gesto do outro — mas o confronto com aquilo que, até então, o sujeito se recusava a ver.



Comments